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Postado em 22 de novembro de 2017 / 410

Quando a gente se conheceu eu não senti as famosas borboletas no estômago.

Na verdade eu não senti nada porque meu remédio não me deixava sentir as coisas.

Qualquer coisa que eu sentisse me deixaria pior, até mesmo a dor no estômago quando se conhece alguém.

Quando se tem a certeza de que finalmente aquele alguém chegou.

Quando aquele alguém chega parece que o ônibus atrasou dez minutos. Você espera na plataforma escorado na parede, com as mãos nos bolsos, mascando o chiclete que já perdeu o sabor há alguns minutos, mas é tão óbvio que ela vai chegar em breve que não compensa comprar outro.

E aí ela chega e o abraço é aquele de quem não se via há tantos e tantos meses que o perfume parece diferente. Não é assim como você se lembrava. Seu cabelo cresceu? Não? Mudou a cor? Ah sim.

Quando ela chegou eu não sentia absolutamente nada além da apatia que me preenchia o novo estômago. Eu não podia ter borboletas porque tomava doses altíssimas de remédios pra dor. Qualquer animal seria corroído pelo meu suco gástrico.

Eu comprava doses diárias de ânimo porque o meu corpo não era mais capaz de produzir endorfina. Todos os dias pareciam repetições de um filme preto e branco, mudo e dirigido pelo Gordard. Os diálogos pouco me importavam. Anna Karina nem era tão bonita assim.

A primeira conversa com ela não foi memorável porque o antidepressivo não me deixou lembrar o que falamos pela primeira vez. Não me lembro quando foi que eu vi que aquilo devia passar de amizade ou de qualquer laço superficial pra algo profundo.

Amar alguém quando se tem depressão é mais um exercício de paciência e um jogo de memória do que uma dádiva ou qualquer coisa divina. Todos os dias você acorda e se pergunta até quando isso vai durar porque é óbvio que não vai durar. Os demônios na sua cabeça insistem em cochichar que você não é capaz de fazer ela ficar, de fazer ela te amar como você é. Mesmo ali, deitada do seu lado, com a cabeça do seu peito e jurando de dedinho que te ama como você realmente é, alguma vozinha lá no fundo diz que uma hora ela vai se cansar. E ela vai achar alguém melhor. Porque é óbvio que existe alguém melhor e é óbvio também que ela merece esse alguém!

Quando você ama alguém e tem depressão você sabe como é difícil levantar da cama e vestir qualquer coisa, escovar os dentes e se arrastar até a cozinha, mas que isso não tem a menor importância quando você a encontra ali diante do fogão preparando seu café e cantarolando a música favorita dela. É como se ela fosse algo de outro mundo, qualquer tipo de presente que entregaram errado na sua casa. Como é que deus deixou esse anjo perdido logo com a pessoa que mais quebra tudo o que toca, o Midas da destruição, que é você?

 

E não importa mais se a sua vontade de morrer até as 18h perdure porque você sabe que no fim do dia ela vai te contar como foi a tarde dela e mesmo que tenha sido só lendo um livro que você nem curte ou vendo uma série que você detesta, você vai sorrir e vai gostar. Vai adorar ela contando as coisas porque qualquer coisa que ela diz te afasta da ideia de que a vida é um fardo e que você não suporta mais só fracassar e trazer dor.

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camisgb

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